quinta-feira, 8 de abril de 2010

(Lição 07) A criança como vítima da propaganda


Por Gilmar Piolla

De olho nas crianças, potenciais consumidores do amanhã, a indústria do alcoolismo e a indústria automobilística fazem anúncios na TV que induzem o consumo de bebidas e a paixão pela velocidade utilizando imagens lúdicas que povoam o imaginário infantil.

É um jogo perverso, mais até do que o usado pela indústria do fumo para atrair os jovens. As crianças ficam em média quatro horas por dia na frente da TV, expostas a uma avalanche de mensagens diretas e, acima de tudo, subliminares. Logo, com toda a inocência que lhes é característica, são alvo fácil desse tipo de técnicas persuasivas.

Como é que um pai e uma mãe vão explicar para o seu filho pequeno que ele não pode tomar cerveja se a propaganda da Brahma mostra caranguejos, siris e tartarugas deliciando-se com o conteúdo de uma latinha da bebida?

Como é que um pai e uma mãe vão convencer seu filho pequeno que é preciso dirigir com segurança e respeitar as leis de trânsito se na propaganda da station wagon A4, da Audi, aparece uma lesminha curtindo a velocidade de 264 quilômetros por hora que o carro desenvolve?

O que é que bichinhos como caranguejos, siris e tartarugas tem a ver com cerveja? Nada. O que é que uma lesma tem a ver com carro importado? Nada. Absolutamente, nada.

Mas como o frango da Sadia, o cachorrinho da Cofap e os bichinhos de pelúcia da Parmalat deram um retorno de marketing sensacional, os publicitários estão convictos que descobriram um filão. E não vão parar de usar imagens de animais na publicidade. Primeiro, porque são simpáticos. Segundo, porque atraem a atenção dos telespectadores, principalmente crianças. Terceiro, porque ajudam a "fazer a cabeça" do consumidor do futuro. Aí é que mora o perigo.

Aonde está o Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) que não vê nenhum abuso nessas peças de propaganda que estão sendo levadas ao ar?

Nos últimos anos, a exploração dos imaginários sociais tem sido habilmente usada pelos publicitários. Ela é fundamental para vender um produto ou um candidato a cargo eletivo. Em outras palavras: é indispensável para manipular a opinião pública. A teoria da comunicação de massa ensina que o imaginário social utiliza o simbólico para exprimir-se e para existir. O simbolismo pressupõe, portanto, a capacidade imaginária. Marx falava do "caráter fetichista da mercadoria". É que no seu tempo não tinha publicitário. Isto nos permite falar hoje do "caráter fetichista da propaganda".

Os anúncios da Brahma e da Audi podem até não ter sido pensados com esse maquiavelismo todo e, sim, por modismo. Como se sabe, a propaganda é movida por temas da moda. Então, se associar o nome de um produto a imagens lúdicas dá resultado, vamos nessa que é bom à beça.

Mas, ao optar por essa estratégia de marketing para vender cerveja e carros de passeio, a indústria do álcool e a indústria automobilística deram um tiro no dedão do pé. É difícil acreditar na teoria da ingenuidade, ou seja, que as peças veiculadas na TV não tinham o objetivo de conquistar o público infantil. Outras marcas de cervejas da Ambev já usaram e abusaram desse expediente. A Antarctica com seus pinguins e a Skol com seus tatuís dançantes e cães paqueradores.

Por anos e anos, a indústria do tabaco abusou de uma estratégia parecida: associar o consumo de cigarro a signos do universo de desejo dos jovens: adrenalina, aventura, beleza, esportes radicais, inteligência, prazer e sedução. Até que a Organização Mundial de Saúde liderou uma campanha para banir a propaganda do fumo nos meios de comunicação. Será que a indústria da cerveja e a indústria automobilística não estão abusando da sorte? Foi esse mesmo excesso de confiança que matou - para o bem - a propaganda do cigarro.


Tratar crianças como consumidores não é uma novidade e, sim, uma tendência dos anúncios publicitários. O fenômeno da urbanização e o acesso ilimitado à informação agilizaram o consumismo precoce. Influenciadas pela mídia, pela enxurrada de comerciais que assistem na TV, as crianças estão ficando cada vez mais exigentes. Sabem o que querem antes de deixar o berço.

É fato que existe uma indústria pesada de publicidade que tem a criança como alvo. Repare que a indústria cultural "verticaliza" suas produções. Quando sai um filme novo da Disney, logo aparece no mercado uma série de produtos com os personagens do filme. Você vai no McDonald´s e encontra copos, guardanapos, toalha de mesa decorados com os personagens e o enredo do filme. Enfim, as crianças são atingidas de diferentes formas.

Elas estão o tempo todo na mira dos profissionais do marketing. Até mesmo uma gigante da indústria da informática resolveu apostar nas crianças para expandir seus negócios. Conhecida no mundo inteiro pelos processadores de computador que fabrica e, principalmente, no Brasil, onde domina 85% do mercado de desktops, a Intel faz campanhas de marketing para ser vista por suas soluções destinadas ao uso doméstico e pessoal. E o principal alvo é o público infantil. Na última Fenasoft, em São Paulo, ela apresentou uma série de brinquedos digitais para atrair a criançada.

É mais uma prova que no mundo competitivo em que vivemos, os grandes grupos econômicos fazem de tudo para preservar seus interesses e manter suas posições de mercado. A marca, e o que ela representa para o consumidor, vale muito. Investir na criança, hoje, como o fazem a indústria de cerveja e a de automóveis é garantir que daqui a 10 ou 15 anos possa ser lembrado por ela.

Os anúncios publicitários valem-se dessa tática porque as crianças não têm como se defender. Ciro Marcondes Filho nos lembra que três elementos impedem a manipulação da opinião pública: memória, vivência e visão de conjunto. Elementos que, convenhamos, o brasileiro adulto não tem, imagine então as nossas crianças, que viram presas fáceis dos truques da comunicação! Nesse vale-tudo por consumidores, os publicitários estão passando dos limites. Por que não deixam nossos filhos crescerem em paz?

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